Lembro-me que quando o Mpodozis esteve aqui em Florianópolis ele comentou que deveríamos entender um fígado embrionário no contexto da dinâmica do embrião, e não pensando no que ele deverá estar fazendo enquanto um fígado no animal adulto. Por este motivo, me agradou muito encontrar esse artigo que fala de uma “Fisiologia cardíaca desenvolvimental” – termo criado pelo autor, que explicita sua preocupação em compreender o que faz o coração no embrião, no contexto do desenvolvimento, não como um órgão se preparando para bombear sangue no futuro! Isso é muito relevante, pois quase todas as descrições do desenvolvimento cardíaco têm esse viés de explicar a formação de um órgão para bombear sangue. É explicação baseada nas expectativas do observador, que remete ao futuro, e que desreipeita uma lógica de construção histórica.
Agora falando de fato sobre o assunto, vejam vocês, que curioso: nos períodos mais iniciais do desenvolvimento embrionário, o embrião realiza suas trocas gasosas através de uma simples difusão; até que a partir de um certo tamanho isso não é mais possível e então se observa que há ali agora uma circulação sanguínea e um coração batendo! Então isso basta para se dizer que o coração surgiu para manter a oxigenação. Mas vejam neste gráfico. Ao contrário do que se esperava desde uma perspectiva funcionalista (painel superior da figura), o coração começa a bater ANTES do embrião atingir esse tamanho que impossibilita a difusão (figura do painel inferior).
Quer dizer, nos períodos iniciais está lá o animalzinho fazendo difusão e batendo seu coração... Tira-se fora o coração aí e o que se passa? O embrião continua vivendo e oxigenando seus tecidos. O coração surge num contexto independente desta função de nutrição de oxigênio. Não surge para realizar esta função, que atribuímos ao coração no adulto. O que faz o coração aí? Para entender isso, precisamos entender seu contexto de relações e sua história, não sua finalidade (sua função), por isso a explicação funcionalista não nos serve.
Então encontrei este elegante manuscrito de Waddington (1937): “THE DEPENDENCE OF HEAD CURVATURE ON THE DEVELOPMENT OF THE HEART IN THE CHICK EMBRYO”, em que ele remove o coração do embrião para observar as conseqüências disso no resto desenvolvimento. Os principais achados dele eu reproduzo aqui:
"1. The heart was removed from chick embryos of seven to twelve somites, and the embryos cultivated in vitro. The operation abolished the normal twisting of the anterior part of the embryo on to its left side and the general bending of the brain region into an arc. These two processes therefore seem to be dependent on the normal development of the heart.
2. The embryos showed a bending of the forebrain relative to the midbrain, which is therefore independent of the development of the heart.
4. The lateral evaginations of the foregut and the visceral arch mesenchyme underwent the first stages of differentiation in atypical positions, seemingly independently of each other or of any other structures
Enfim, compartilho com vocês este raro momento em que se mira a construção de um órgão sem se preocupar com a sua finalidade, sem vê-lo como um trânsito para sua futura função.
Abraços,
Gustavo
Referencias
Burggren, W., Crossley, D. A. Comparative cardiovascular development: improving the conceptual framework. Comparative Biochemistry and Physiology - Part A: Molecular & Integrative Physiology. Volume 132, Issue 4, August 2002, Pages 661-674.
Waddington C_1937.The dependence of head curvature on the development of the heart in the chick embryo. J Exp Biol
14:229]231
12 comentarios:
excelente post!! pero qué entretenido es nucleodecenio...
Jompoma ha dado en el clavo con sus reflexiones sobre development...parece que en desarrollo podmeos decir que ocurre, también, algo parecido a la exaptación.
Justo esta mañana me venía caminando al lab leyendo a Von Uexkull, precisamnete sobre la necesidad de hacer la distinción entre "ley de función" y "ley de génesis" (y ya en 1925 muy molesto porque los darwinistas no la hacían)
"parece que en desarrollo podmeos decir que ocurre, también, algo parecido a la exaptación."
Sim, efetivamente é sempre isso que passa, porque é impossível falar em "adaptar-se à...", sem ser finalista.
gustavo
O definição do termo exaptação em parece muy buena, porque efetivamente quer dizer "apto em razão de" (ex + aptus). Isso é uma explicação baseada na história de construção. Isso é muito diferente da teleolgia encontrada no termo "ad + aptus" - em direção ao apto.
O diabo é que Gould diz que a origem da exaptação pode ser uma cooptação de outra adaptação... aí fica tudo complicado e obscuro, e no fim é tudo a mesma coisa...
Por isso tudo, exaptação também não serve, ainda que a tentativa seja boa...
Por isso me agrada a expressão "conservação do acoplamento estrutural", ou "conservação da congruência com as circunstancias". Que sugere um processo histórico, um contínuo presente cambiante.
Nesse sentido, eu inclusive acho inteiramente desnecessário, o termo adaptação.
gustavo
Porra, de onde estás desenterrando estes artigos? Que exemplo bonito. O desenvolvimento do coração é central para toda a história da embriologia. Está em Aritóteles, Harvey, Von Baer e todos os anões que os seguiram.
O que eu gostei é que torna absurdo definir a operação do coração em termos de adaptação. Há de se definir a operação do coração em relação as suas interações com o sistema cada momento e os efeitos de sua operação para a etapa imediatamente seguinte do desenvolvimento.
Ou será que o coração foi selecionado para fazer o cérebro se dobrar? Ou fazer o bico se abrir, como mostrou Kuo?
Ademais, as implicações para a filogenia também são interessantes. Pergunto-me qual seria o efeito para a transformação do sistema nervoso e, consequentemente, da conduta, de um coração maior ou menor. Ou de um coração que bate mais lento ou mais rápido em um ambiente de desenvolvimento mais frio ou mais quente. E etc...
o artigo do waddington está disponível na rede:
http://jeb.biologists.org/cgi/reprint/14/2/229.pdf
Es muy choro como la historia de congruencias en el desarrollo es medular en la organizacion de estructuras y comportamiento, espectacular el ejemplo!.
Es interesante tambien, en el caso de los estudios comparativos, como diferentes linajes difieren en su historia de organizacion de partes!!.
Muy interesante, te pasaste Gustavo!,
y qué nombre le ponemos al "rasgo adaptativo?"
es un rasgo que deja de ser facutativo, para pasar a ser obligatorio?
na propria teoria da deriva natural, os autores usam 'conservaçAo da congruencia com o meio' como sinonimo de 'conservaçao da adaptacao'. a mim parece que essa primeira expressão soa melhor.
porque quando se conversa com alguem não familiar com estas idéia e se fala,"veja aquele rasgo, como está adaptado", irão pensar que estou dizendo a mesma coisa que o neodrwinismo. isso pode gerar confusão. apenas isso...
gustavo
La pregunta cambia cuando pasamos del todo a la parte, del organismo al rasgo, es posible preguntarse como participa de la congruencia entre el ser vivo y el medio, y cómo se relacionan sus cambios con la conservacion o desintegración del todo.
Esto en el fondo porque es difícil desterrar de la biología la noción de la adaptación como rasgo.
Normalmente un biólogo describe pr ej el desarrollo de una coraza en daphnia ante un predador como una "adaptación". Sin duda, hace posible la conservación de la congruencia en el medio en que está presente el predador.
Está mal llamar este tipo de rasgos "adaptaciones"?
Cornamentas que se golpean en combates entre machos...reflejan congruencia con un "medio social"?
Sospecho que en el fondo se puede hablar de un rasgo que es una adaptación: hay que hacerlo en referencia a nociones como la de Maturana de la adaptación, una constante verificada a nivel organísmico y sistémico.
En este sentido los rasgos que son adaptativos serían aquellos cuya alteración conduce a la pérdida de la adaptación (desintegración)
buena, o interessante é que posto nestes termos, adaptação deixa de ser um termo intimamente ligado com a noção de função.
abraço
gustavo
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