A palavra herança tem dois sentidos principais: a) A herança social de patrimônios, títulos e direitos e (b) a herança biológica de característica, doenças etc. Historicamente, o emprego da palavra no primeiro sentido precede o segundo - a palavra herança surgiu para designar a manutenção e transmissão de bens entre famílias e, posteriormente, foi empregada metaforicamente para designar a recorrência de caracacterísticas biológicas - primeiro como adjetivo, em expressões como "doença hereditária", e depois como substantivo. No início do século XIX, médicos franceses passaram a empregar o substantivo heredité para designar uma classe de fenômenos biológicos: a reaparição de características entre gerações (para mais detalhes ver os trabalhos de Lopez-Beltran)
A grande consequência do surgimento do conceito de herança biológica foi tornar a forma dos seres vivos um fenômeno histórico. A forma de um organismo era consequência da forma do organismo anterior e, portanto, de uma história. Repare que isto é muito distinto das conceituações do século XVIII, onde a forma era algo transcedental, a manifestação de um tipo ou essência. Tanto para preformacionistas quanto epigenetista, a forma não era herdada. Ou ela preexistia ou era gerada de novo. Somente no fim do século XVIII, com percepção de que os tipos eram variáveis, de que haviam raças, de que havia regeneração, etc., foi possível que autores como Buffon e Lamarck discutissem a permanência histórica de degenerações e desvios do tipo.
Esta noção foi aprofundada no século XIX, quando a herança passou de um fenômeno secundário, resposável pela permanência de peculariedades como o albinismo e o lábio leporino, para a explicação central da forma. O que surgiu com o conceito de herança foi uma explicação histórica da forma e suas variações.
Evidentemente, a concepção de herança biológica abriu caminho para teorias transformacionistas que floresceram no século XIX . Não por acaso, Spencer e Darwin foram os primeiros autores a empregarem as palavras inglesas inheritance and heredity no sentido biológico. Mas a contribuição mais importante dos ingleses foi propor a existência de partículas hereditárias (as unidades fisiológicas de Spencer e as gêmulas de Darwin) para explicar a recorrência da forma. Este conceito poderoso - partículas capazes de transmitir a forma (de in-formar) - substituiu a noção fenomenológica original dos franceses. Para autores como Prosper Lucas, por exemplo, a herança era algo semelhante a uma força, um fenômeno quantitativo mensurável (para mais detalhes ver Jean Gayon).
Portanto, no fim do século XIX se intoduziu o conceito de material hereditário. Este se multiplicou e ganhou força como as micelas (Nägeli), os idioblastos (Hertwig), os pangenes (De Vries), os biósforos (Weissman), etc. E, embora poucas vezes se reconheça, a biologia do século XX herda e elabora esta noção. A teoria do gene pressupõe a existência de um material hereditário, de partículas capazes de determinar e transmitir a forma. Ela parte do pressuposto ontológico de que existe um material hereditário.
Esta noção foi mantida e aprofundada pela genética molecular clássica. A herança passou a ser a transmissão de intruções codificadas e o desenvolvimento a manifestação destas instruções. Herança e transmissão genética se tornaram tão entrelaçadas que hoje é difícil que alguém possa conceber a herança sem um material hereditário.
Contudo, no século XXI, não é apenas possível, mas urgente conceber a herança sem a noção de partículas hereditárias. Primeiro, porque a genética molecular pós-genômica nos mostra que os genes não contém representações ou instruções para forma. Eles são moldes utilizados pelo sistema para produção de outras macromoléculas, não portadores da forma. Segundo, porque a repetição de um processo não necessita de um programa ou instruções (vide o caso das sucessões ecológicas). Lembre-se que a herança inicialmente não era concebida como a transmissão de partículas. O fenômeno herança diz respeito ao aparecimento de similaridades entre gerações, não a transmissão de similaridades.
Contudo, no século XXI, não é apenas possível, mas urgente conceber a herança sem a noção de partículas hereditárias. Primeiro, porque a genética molecular pós-genômica nos mostra que os genes não contém representações ou instruções para forma. Eles são moldes utilizados pelo sistema para produção de outras macromoléculas, não portadores da forma. Segundo, porque a repetição de um processo não necessita de um programa ou instruções (vide o caso das sucessões ecológicas). Lembre-se que a herança inicialmente não era concebida como a transmissão de partículas. O fenômeno herança diz respeito ao aparecimento de similaridades entre gerações, não a transmissão de similaridades.
As similaridades hereditárias ocorrem porque um processo se repete. Porque componentes e relações semelhantes reocorrem. Porque um olho ou um pé é re-produzido conservando certa topologia estrutural. É muito mais sensato hoje abandonarmos o velho esqueminha weismanniano de transmissão de partículas hereditárias e abordarmos a herança como um fenômeno prroduzido pela conservação de uma dinâmica estrutural e condutual.
GAYON, J. From Measurement to Organization: A Philosophical Scheme for the History of the Concept of Heredity. In: BEURTON, P. J., FALK, R. e RHEINBERGER, H. J. (Ed.). The Concept of the Gene in Development and Evolution. Historical and Epistemological Perspectives. Cambridge: Cambridge University Press, 2000, p.69-90
LÓPEZ-BELTRAN, C. Forging heredity: from metaphor to cause, a reification story. Studies in History and Philosophy of Science Part C: Biological and Biomedical Sciences, v.25, n.2, p.211-35. 1994.
______. In the Cradle of Heredity; French Physicians and L'Hérédité Naturelle in the Early 19th Century. Journal of the History of Biology, v.37, n.1, p.39-72. 2004.
______. The Medical Origins of Heredity. In: MÜLLER-WILLE, S. e RHEINBERGER, H.-J. (Ed.). Heredity Produced: At the Crossroads of Biology, Politics, and Culture, 1500-1870. Cambridge: MIT Press, 2007
6 comentarios:
Buena revisión histórica del concepto de "herencia".
Hoy son pocos los biólogos que se preocupan por la evolución de los conceptos en los que basan su investigación.
Me gustó la frase: "El fenómeno de herencia refiere al surgimiento de similaridades en la generaciones, y no a la transmición de similaridades" queda más que claro.
Em uma tradução para o espanhol do livro de Hertwig Genesis de los Organismos, ele cita Johannsen em 1915:
"El biologo comete grave culpa al utilizar a herencia sacada de lenguaje vulgar. Esta palabra significa transmisíon. Por conseguinte deberíamos buscar otra palavra para representar la herencia biológica"
E lá se vão quase um século de "grave culpa"...
Muy bueno el post! Ese Hertiwg parece que salva (aunque Ortega encontraba su biologismo demasiado rudimentario, y se va en alabanza mucho más firme a Von Uexkull, de quien era amigo, sospecho que motivo por cual circulan por suerte algunos libritos en castellano)
Kammerer, por supuesto, también habla de cómo el ambiente es herencia, y entrega argumentos que han sido simplemente repetidos por West Eberhardt (que no lo cita en ninguna parte, obviamente por su estigma de fraudulento), específicamente la necesidad de aplicar cambio ambiental para poder hacer selección artificial, como en el caso de seleccionar ordeñando a las vacas que más rinden leche, o mejorar la alimentación para seleccionar mayor tamaño corporal en pollos.
Kammerer también habla de casos, como el gallo japonés de cola ridículamente larga, que se pensaron eran por selección artficial y que resultaron ser epigenéticos. Con unas pesas los japos estimulaban el folículo de la pluma Es como un pájaro-bonsai.
Bueno muchachos les cuento que he encontrado en el libro de kammerer un pequeño detalle biológico que resulta ser la evidencia más concluyente jamás de la sospechada autenticidad de los experimentos de Kammerer con Alytes. Cuando le conté a mi jefe, quedó de raja: "Holy fuck!!"
Luego les cuento. Con dibujitos y todo, como corresponde.
A influencia do meio sobre a produção de variações e a seleção é algo reconhecido pelo próprio Darwin. Para Darwin as variações eram geradas durante o desenvolvimento.
Esta wea de variações aleatéorias, internas e independentes é algo neodarwinista, do século XX. Quem quiser saber mais sugiro o excelente artigo de Rasmus Winther: Darwin on variation and heredity. Uma carta de Darwin citada neste artigo:
"You speak of “an inherent tendency to vary wholly independent of physical conditions”. This is a very simple way of putting the case (as Dr. Prosper Lucas also puts it); but two great classes of facts make me think that all variability is due to changes in the conditions of life. (1) that there is more variability & more monstrosities (& these graduate into each other) under unnatural domestic conditions, than under nature. And secondly that changed conditions affect in an especial manner the reproductive organs, – those organs which are to produce a new being."
"
jaja oye y qué tiene en la mano superman? kryptonita? espárrago?
Interesante Chico,
Con referencia al valor del concepto de herencia como herencia del proceso que contruye un sistema vivo dado
hace poco estaba leyendo un articulo que se dedicaba a comparar el "estado del arte" del EvoDevo comparado con la aproximacion de la teoria de los sistemas de desarrollo (DST). Bueno y mostraba que a pesar de la linda raiz saltacionsta del EvoDevo se habia terminado convirtiendo en una rama evolutiva de los estudios moleculares del desarrollo.. En esa comparacion, se argumentaba que la DST habia tenido su origen, entre otros, en la escuela del estudio del desarrollo de la conducta, donde ya desde los tiempos de Xin Yan Xuo con sus experimentos en el desarrollo del comportamiento en los embrionaries de pollo se demostraba la relevancia de la integracion organismo ambiente como un sistema en construccion.
AL final sin embargo el articulo guateaba por que argumentaba nada mas que la aproximacion DST no se habia reduccionizado por que en realidad "mientras que para rasgos morfologicos se ha podido establecer claramente el efecto de genes particulares en la evolucion de det. organismos (x ej genes Hox) ha sido muy dificil experimentalmente demostrar el rol de genes particulares en conductas dadas" (PLOP!)...?"???
Ahora ese argumento se puede dar vueltas para el otro lado tambien, la aproximacion EvoDevo a abrazado el reduccionismo por que, con contadas excepciones, no se ha incluido simplemente el valor de la ecologia donde el organismo se desarolla para explicar sus caracteristicas!!!!
(Leanse a E. Everst Just)
Publicar un comentario